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ST 13 - Camisa de força, cadeia e caixão: perseguição e aprisionamento dos corpos abjetos durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964 – 1985)

 

Coordenação: Mestranda Taynara Mirelle do Nascimento de Araújo (UFC) e Mestranda Cynthia Corvello (UFC)

Durante o período da Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964- 1985), o controle de condutas que não se adequavam à visões conservadoras estabeleceu-se como um dos pilares da estrutura política e social.  Inserida na Doutrina de Segurança Nacional, a vigilância sobre a moralidade dos sujeitos era um componente basilar tanto para a segurança interna da nação, quanto para as questões de cunho político e econômico. Não só a militância de oposição ao governo ditatorial tinha seus passos seguidos e reprimidos, mas outros sujeitos sociais que se encontravam à margem de ideais de moral e de bons costumes pregados pelos militares, por segmentos sociais mais conservadores e por alguns setores da Igreja Católica. A ampliação de vagas em instituições psiquiátricas e prisionais/penais; a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - (FUNABEM) e a expansão dos “Esquadrões da Morte” são alguns dos dispositivos de controle que podem ser sinalizados como táticas no exercício de confinar, punir e eliminar sujeitos empobrecidos, sexualmente não normativos e/ou que apresentavam condutas dissidentes. Interessa-nos, portanto, reflexões produzidas por diversas áreas de conhecimento que versem sobre sujeitos em conflito com a lei e/ou normas sociais em vigência durante o período ditatorial no Brasil. Serão priorizados os trabalhos que tenham como sujeito/objeto de reflexão os segmentos marginalizados, como crianças e adolescentes institucionalizados, pessoas LGBTQ+, profissionais do sexo, homens e mulheres em situação de confinamento (prisões, penitenciárias ou instituições psiquiátricas), entre outros.

BIBLIOGRAFIA

BOEIRA, Daniel Alves. Menoridade em pauta em tempos de ditadura. Revista Angelus Novus, Ano V, n. 08, 2015, 179-198.Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ran/article/view/107905. Acesso em: 04 ago. 2020
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BUTLER, Judith. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. Tradução: Veronica Daminelli e Daniel Yago Françoli. São Paulo, n-1 edições. 2019. [e-book]
DUARTE, Ana Rita Fonteles. Jogos da Memória: O Movimento Feminino Pela Anistia no Ceará (1976-1979). Fortaleza: INESP, UFC, 2012.

FICO, Carlos.  “Prezada Censura”: cartas ao regime militar. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 251-286.

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MARQUE, Gabriela Miranda. Movimentos Feministas e Igreja Católica: uma análise comparativa de periódicos. In: PEDRO, J.; WOLFF, C.; e VEIGA, A. (org.) Resistências, Gênero e Feminismos contra as Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Editora Mulheres, 2011.
MATTOS, Vanessa de. Esquadrões da morte no Brasil (1973 a 1979): repressão política, uso abusivo da legalidade e juridicidade manipulatória na autocracia burguesa bonapartista. Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. programa de Pós-Graduação em História Social.2016, 331f.Disponível em:https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19046/2/Vanessa%20De%20Mattos.pdf. Acesso em: 04 ago. 2020.

PAULIN, Luiz Fernando. F. e TURATO, Egberto Ribeiro, Antecedentes da reforma psiquiátrica no Brasil: as contradições dos anos 1970. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, vol. 11(2): 241-58, maio-ago. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702004000200002&lng=en#:~:text=Tomamos%20como%20base%20para%20o,sobre%20a%20assist%C3%AAncia%20nos%20hospitais. Acesso em: 04 abr. 2020
SETEMY, Adrianna Cristina Lopes. Vigilantes da moral e dos bons costumes: condições sociais e culturais para a estruturação política da censura durante a ditadura militar. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 19, n. 37, p. 171-197, jan./abr. 2018 | www.revistatopoi.org

Sessão 1 - Dia 21 de outubro de 2020, 14 horas

“O espírito correto de obediência”: Relações de poder entre mulheres criminalizadas e instituições de confinamento (Ceará, 1970 - 1990).

Cynthia Corvello

O primeiro presídio feminino do estado do Ceará - Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPFDAMC) - foi inaugurado em 22 de agosto de 1974 durante o período de ditadura civil-militar. Entende-se que a designação de um espaço específico para manter em situação de privação de liberdade mulheres criminalizadas fez parte de mecanismos de força adotados ou reelaborados após o Golpe de 1964. Documentos produzidos em instituições de confinamento se apresentam como fonte privilegiada no esforço de pensar historicamente a marginalização e criminalização de sujeitos. Assim, a partir de fontes históricas presentes nos prontuários prisionais das primeiras mulheres custodiadas no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, leis e periódicos, em diálogo com bibliografia interdisciplinar que verse sobre criminologia feminista, interseccionalidade e relações de poder, entre outras, pretende-se refletir sobre as relações entre instituições e mulheres marginalizadas e analisar o recrudescimento das ações de vigilância, controle e punição durante o regime ditatorial por meio da criação e alteração de leis e políticas de segurança. 

Palavras-chave: Gênero, Mulher, Prisão.

“As presas do DOPS” na Penitenciária Feminina Madre Pelletier: terrorismo de Estado e os usos do espaço prisional na prisão política durante a ditadura civil-militar brasileira (Porto Alegre, 1970).

Maria Eduarda Magro

Entre os anos de 1969 e 1979, a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, instituição então administrada por religiosas da Congregação Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor de Angers, foi o local de aprisionamento de, ao menos, 18 mulheres enquadradas na Lei de Segurança Nacional. Eram as chamadas presas políticas, encarceradas por enfrentamento direto à ditadura civil-militar iniciada no Brasil em 1964. Na trama do aparato repressivo, as penitenciárias não eram o primeiro destino, mas parte de um itinerário mais extenso que envolvia também espaços clandestinos ou formais, como os DOPS e DOI-CODIs, entre outros, em que se executavam interrogatórios marcados por extrema violência física. Esta etapa inicial nos lugares de tortura (BARETTA, 2015) pode ser identificada como uma “fase de terror” (BAUER, 2006), dadas as contínuas exposições a diversas práticas excessivas, perpetradas sobretudo contra os corpos. Aguardando julgamento ou ainda com os processos judiciais em elaboração, a transferência para uma penitenciária inaugurava, então, uma nova lógica de punição, pautada na prisão enquanto pena, e demarcando-se por outros modos de se fazer violar. São às especificidades do regime de encarceramento em uma instituição prisional, desde a égide do gênero, que direcionamos a presente investigação.
A pesquisa, que toma como fontes relatos de prisão anexados a processos de indenização movidos por ex-presas políticas sob a Lei Estadual n. 11.042/97, assim como testemunhos orais concedidos no âmbito deste trabalho, se circunscreve aqui em um recorte cronológico bem delimitado: o ano de 1970, quando a Penitenciária Feminina Madre Pelletier teve o mais intenso fluxo de circulação de presas políticas. Entendendo este ano como representativo do que seria um primeiro ciclo de encarceramento na instituição, busca-se elucidar as dinâmicas do aprisionamento de mulheres militantes de esquerda na instituição, atentando para os mecanismos mobilizados especialmente para a punição dessas “duplamente desviantes”, que, mais do que subverter os papéis de gênero a elas atribuídos, igualmente transgrediram a ordem política (FERREIRA, 1996, p. 152). Mirando as manifestações das práticas terroristas do Estado (PADRÓS, 2005), nos voltamos aos modos como as violações foram redefinidas e ressignificadas em conformidade com os condicionamentos de um ambiente prisional. Nesse sentido, observa-se os próprios usos do espaço, o acionamento de violências pautadas no gênero e a intensificação da tortura psicológica enquanto meio de manutenção do terror.

Palavras-chave: Prisão política, mulheres, esquerda, terrorismo de Estado, violência de gênero.

O IML-PE e seu uso como silenciador das violências às mulheres presas políticas durante a Ditadura Militar brasileira.

Viviane Holanda Rangel

O desenvolvimento da Medicina Legal como campo interdisciplinar entre a medicina e o direito, atravessou os séculos e veio se consolidar como um dos principais pilares do sistema punitivo na atualidade. A palavra dos peritos e exames como os laudos traumatológicos (traumas e agressões), os laudos tanatoscópicos (cadáveres) e os laudos sexológicos (crimes sexuais) acabaram por se tornar partes indispensáveis para a comprovação de inúmeros crimes na esfera judicial. No Brasil, esse processo foi acompanhado pela maior profissionalização dos órgãos médico-legais e pela gradual estatização das perícias, que se desenrolaram desde o fim do período imperial, e só foram efetivamente alcançadas em meados do século XX. Com o Golpe Militar instaurado em 1964, o governo autoritário se apossou do Estado e o utilizou como estrutura repressiva em diversos aspectos, inclusive no âmbito do controle dos corpos. As pessoas que se colocaram como contrárias ao regime foram perseguidas, presas, torturadas e/ou assassinadas, e os órgãos da polícia, como o Instituto de Medicina Legal de Pernambuco, eram responsáveis por instaurar uma perseguição calcada em bases técnicas e científicas. Tal objetivo não foi ignorado pelos interessados na manutenção do regime, o que justificou os investimentos feitos no órgão, como o aparelhamento moderno patrocinado pela Aliança para o Progresso. Através de uma estrutura de ponta e profissionais qualificados, a atuação do instituto na produção de laudos contra as mulheres opositoras ocorreu no sentido de lhes retirar as provas das atrocidades cometidas contra elas. A exclusão proposital de traços relevantes das violências sofridas, teve, inclusive, manipulação da causa das mortes destas mulheres. Isso tinha a função de negar a elas e as suas famílias a materialidade técnica dos atos, necessária para requerer a punição aos culpados no âmbito judicial. Através da análise das fontes e do relatório da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, percebeu-se que, ao dominar a emissão de laudos sobre os corpos que estavam sob custódia da polícia, principalmente os femininos, o órgão tornou sua produção de conhecimento política institucional da Ditadura. No entanto, também foram através de relatos que fugiram à norma e narraram efetivamente as violências encontradas nos corpos, que se pôde analisar como, mesmo agentes vinculados à estrutura repressiva, produziram discursos diversos. Seja por estarem realizando os procedimentos técnicos corretos ao analisar uma cena de crime; seja porque havia o interesse em não deixar aquelas violências silenciadas. A interpretação de tais agentes foi fundamental para a conservação dos fatos como, de fato, ocorreram.

Palavras-chave: IML; Ditadura Militar; Mulheres.

A ação pastoral do Ninho Cearense e o Cristianismo da Libertação em Fortaleza (1960 - 1980).

Taynara Mirelle do Nascimento de Araújo

A Ditadura Civil-Militar, marcada pela defesa da "moral e dos bons costumes", construiu um complexo aparato repressivo orientado para regular os corpos dissidentes. Não só a militância de esquerda tinha seus passos seguidos e reprimidos, mas todo um setor de pessoas que se encontravam à margem desses ideais da “família tradicional brasileira” pregados pelos militares e pelo setor mais conservador da Igreja Católica. Sendo a prostituta um desses sujeitos perseguidos, já que proclamada como degenerada, transgressora e subversiva, sendo, portanto, reprimida de diversas formas por conta da sua sexualidade desviante do padrão de mulher “recatada e do lar”. Essas mulheres encontraram no regime preconceito e opressão. Assim como, encontraram acolhimento e defesa, mas também controle e disciplinamento, no seio progressista da Igreja. Sendo um desses núcleos do Cristianismo da Libertação, a pastoral “Ninho Cearense”, que realizava um trabalho de formação e promoção de cidadania para as prostitutas. A partir da análise das fichas de matrícula, dos prontuários de visita, das entrevistas temáticas e das publicações do Ninho Cearense, bem como de uma revisão bibliográfica da literatura existente, esta pesquisa pretende compreender a relação entre as prostitutas e as agentes do Ninho, a influência dos ideais da Teologia da Libertação e da Teologia Feminista nas ações desse Movimento, e os conflitos do Ninho e de setores marginalizados com os agentes da repressão. 

Palavras-chave: Ninho Cearense. Prostituição. Ditadura Civil-Militar. Cristianismo da Libertação. 

Memória em escombros: o Presídio Tiradentes e as Presas Políticas (1969-1973).

Ayssa Yamaguti Norek

O Presídio Tiradentes, construído em 1852 durante o Império, voltou a abrigar em suas paredes presos políticos em 1968. Em 1969, as primeiras mulheres enclausuradas por motivações políticas adentraram a torre circular rodeada de guaritas e separada do resto do presídio que posteriormente ficou conhecida como "Torre das Donzelas". Esse trabalho tem como objetivo identificar questões que envolvam gênero e aprisionamento no Presídio Tiradentes durante a ditadura militar, procurando elucidar as diferenças de tratamento de mulheres encarceradas enquanto presas políticas. Insere-se aqui a adaptação dessas mulheres a esse espaço elaborado para um indivíduo universal que, em última instância, é masculino; espaço que, por exemplo, não possuía estrutura física para lidar com questões como a gravidez. Além disso, pretende-se discutir as diferenças das experiências físicas e psicológicas vividas pelas mulheres em condição de presas políticas, buscando apresentar as estratégias de resistência montadas por ela dentro das paredes da Tiradentes. Nesse sentido, o signo prisão é entendido de forma multifacetada, representando não só as privações e os castigos, mas também as possibilidades de resistência, de vivência e de solidariedade que essas mulheres conseguiram criar.

Palavras-chave: Presídio Tiradentes; Ditadura Militar; Estudos de Gênero; História das Mulheres; Encarceramento feminino.

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