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ST 12 - Narrativas e o fantasma do silêncio: Ser mulher(es) em tempos de autoritarismo no Brasil.

 

Coordenação: Mestra Janaína Porto Sobreira (UFRN) e Mestranda Camila Koenigstein Sacoman (Universidade de Buenos Aires)

Este simpósio tem como objetivo promover um debate sobre a construção de mecanismos e discursos de violências e opressões numa agenda autoritária contra mulheres em momentos de supressões democráticas, sobretudo no Brasil, no período que corresponde ao Golpe de 1964 e seus desdobramentos. Em relação à Historiografia, é interessante perceber como a construção teórica sobre essas relações entre política, mulheres e violências forma um marco teórico que todavia merece mais estudos e produções. Por meio de diferentes abordagens podemos notar análises e usos de fontes, dentre as quais se destacam a história oral, pois esta atribui protagonismos nas construções de narrativas que buscam entender a presença da mulher nos mais diferentes âmbitos da vida pública.
Consideramos necessário, ainda, um olhar atento sobre as tentativas de manipulação da história em tempos atuais ao percebermos a negação de passados autoritários tendo como intuito o silenciamento como tática de apagamento de resistências femininas em períodos de crises democráticas. Segundo Margareth Rago, no processo de rememoração de militâncias dentro das frentes de esquerdas, há uma diferença muito sintomática na percepção dos sujeitos. Para a historiadora, as narrativas das mulheres apresentam outra dimensão: a dos usos dos corpos e psiques na construção de suas biografias, evidenciando que as experiências de gênero em tempos de ruptura democrática nos mostra também como o patriarcado fica mais evidente, marcando as mulheres pelo gênero e não pela participação no âmbito político e de militância. Em uma análise comparativa, a autora bielorrussa Svetlana Aleksiévich percebeu o mesmo quando investigou a ausência de narrativas sobre o papel das mulheres russas após a 2ª Guerra Mundial, nos provando que as vozes femininas foram suprimidas dos discursos oficiais da história sobrando somente imagens e nada mais. Diante disso, nossa questão é: quais são os elementos que resistiram e se incorporaram nas estruturas mentais e sociais do presente? Buscamos entender como se consolidou uma mentalidade de culpabilização e apagamento de narrativas de mulheres que resistiram de maneiras distintas ao autoritarismo. De certa forma, há uma permanência até os dias de hoje que ressalta a mentalidade machista e misógina que insiste em subalternizar inclusive a produção intelectual feminina privilegiando os homens no âmbito acadêmico.

O simpósio que propomos busca trabalhos nas mais diversas áreas e frentes de estudo que auxiliem na compreensão da temática, envolvendo narrativas, corpos, memórias e silenciamentos.

 

BIBLIOGRAFIA

ALEKSIÉVITCH, Svetlana A. A guerra não tem rosto de mulher. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

HUYSSEN, Andrea. Memorias crepusculares: la marcación del tempo en una cultura de amnesia. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2014.

PASSERINI, Luisa. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011.
PERROT, Michelle. As mulheres e os silêncios da História. Bauru: Edusc, 2005.
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade. Campinas, SP: Unicamp, 2013.

SEGATO, Rita. La guerra contra las mujeres. 2 ed. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2018.

 

Sessão 1 - Dia 21 de outubro de 2020, 14 horas

Aborto no Brasil: entre o autoritarismo e o retrocesso.

Shirley Stephani Ferreira Johnson

Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o percurso de retrocesso histórico em relação ao aborto legal no Brasil. Mesmo que o aborto legal tenha sido descriminalizado no pais há 80 anos atrás através do código penal nos casos de risco de vida materna e anencefalia, sendo incluído mais tarde a possibilidade legal de aborto em caso de estupro, observamos que na prática, mesmo dentro dos critérios legais estabelecidos, o atendimento médico em situação de aborto vem sofrendo mudanças, se tornando cada vez mais inacessível no Brasil, provocando um risco muito maior às gestantes que precisam de atendimento. Esse cenário se torna problemático e preocupante, principalmente para as mulheres pobres e negras que exclusivamente necessitam do serviço público e do sistema único de saúde (SUS). Analisarei a partir das contribuições sobre gênero e patriarcado da pesquisadora Heleieth Saffioti, as consequências práticas trazidas pela portaria do Ministério da Saúde Nº 2.282/2020, documento elaborado pelo até então ministro interino da saúde, o general Eduardo Pazuello, militar sem formação médica, o que demonstra claramente a agenda autoritária e de moral religiosa e conservadora do atual governo, cujo foco é a retirada de direitos duramente conquistados pelas mulheres. O documento elaborado pelo até então ministro interino da saúde, o general Eduardo Pazuello, militar sem formação médica. A portaria Nº 2.282/2020 dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) no qual altera as orientações legais e médicas para o atendimento e acolhimento em casos de aborto. Um dos pontos mais graves que o documento traz em relação ao aborto em caso de estupro, diz respeito a obrigatoriedade da notificação policial por parte da equipe médica de plantão. A notificação faz parte de um protocolo burocrático prévio, como pretexto de assegurar proteção aos profissionais de saúde bem como de incentivar a investigação criminal contra os potenciais estupradores. Essas mudanças causarão um impacto imediato na vida das mulheres brasileiras, pois para além do constrangimento, intimidação e exposição, tais mudanças dificultarão mais ainda a realização de abortos seguros, podendo elevar o número de mulheres mortas por abortos clandestinos. Essa lógica objetiva que os corpos femininos e a vida das mulheres sejam cada vez mais um território de controle pelo Estado.

Palavras-chave: Aborto, autoritarismo; política pública; saúde reprodutiva.

Rosa dos Ventos no Peito: mulheres, viagens e contracultura.

Leon Kaminski; Danusa Vieira

Nas décadas de 1960 e 1970, era possível ver jovens viajando de carona, com mochilas às costas. Eram os tempos da contracultura, em que parte da juventude procurava construir estilos de vida alternativos, e viajar era visto como uma prática que permitia “cair fora” do sistema. No contexto brasileiro, em que se vivia sob uma ditadura, as práticas contraculturais tornavam-se também formas de resistência cultural, ao buscar romper com a normalidade e moralidade pregadas pelo regime. Eram, ainda, “válvulas de escape” diante do clima de “sufoco” gerado pela repressão existente nas mais diferentes esferas do cotidiano ditatorial.  Neste trabalho, iremos analisar a presença das mulheres no universo das viagens contraculturais, discutindo as relações de gênero implicadas no contexto da vida estradeira e de suas práticas. A partir de uma perspectiva histórico-antropológica, utilizamos fontes jornalísticas e narrativas de viagem. Ao observar as primeiras notícias sobre mulheres viajando de carona pelo Brasil, publicadas nas páginas policiais, representando-as como jovens inocentes seduzidas por perigosos hippies aliciadores de menores, é possível encontrarmos não simples jovens inocentes, mas moças que buscavam o protagonismo de suas próprias vidas e a ruptura com os padrões esperados para suas condutas. Nesse sentido, as viagens contraculturais entre as mulheres subvertiam normas sociais e estereótipos do feminino. Ambivalentes, suas práticas refletiam e rompiam com o sexismo existente no ambiente estradeiro.

Palavras-chave: Mulheres; viagem; contracultura.

A (re)construção de si em periódicos nacionais: Mulheres e seus relatos de violências sexuais na Ditadura brasileira [1964 – 1985]

Janaína Porto Sobreira; Camila koenigstein Sacoman

Este trabalho tem como objetivo realizar uma discussão sobre um capítulo quase sempre minimizado ou obliterado sobre mulheres que sofreram tortura e tiveram seus corpos como territórios em disputa durante a Ditadura (1964 – 1985) no Brasil. É importante observar que o campo político as colocavam sujeitas não só a uma vulnerabilidade física na luta contra o autoritarismo, mas também marcadas por mecanismos psíquicos que alteraram a estrutura de suas vidas. Segundo a historiadora Margareth Rago, em muitos textos autobiográficos masculinos há um padrão discursivo sobre formas de abusos sofridos nos porões da Ditadura. Ao analisar a trajetória de algumas mulheres participantes dos movimentos contra o regime militar em São Paulo, a autora observou que a violência sexual tinha um peso muito maior para as mulheres, mostrando que nas histórias masculinas a figura heroica e combativa se sobressai quase sempre, enquanto que nas narrativas femininas, a dimensão das dores marca profundamente as experiências advindas de suas trajetórias pessoais gerando um desconforto a ponto de isolar a vítima apenas em suas dores através das memórias. Para a realização deste trabalho busca-se analisar partindo de periódicos nacionais impressos e digitais a construção de memórias fragmentadas sob a ótica da violência física e sexual de mulheres.

 

Palavras-chave: Mulheres; Ditadura; Território; Narrativas; Tortura.

 

 

A arte como resistência: Um estudo de caso. Os trabalhos das artistas mexicanas Teresa Margolles e Mayra Martell.

Camila koenigstein Sacoman; Janaína Porto Sobreira

 

Este trabalho tem como intuito debater novas formas de resistência e preservação da memória, compreendendo a arte de Teresa Margolles e Mayra Martell, artistas mexicanas que retratam a violência cotidiana na cidade de Juarez, México. Os números de feminicídios na cidade são cada vez mais assustadores e crescem anualmente, no entanto, nunca frearam o trabalho de  Martell e Margolles, ambas o lutando pela preservação da trajetória de vida das mulheres executadas. Através de fotos e instalações, criam formas de recordar a vida extirpada pelo poder exercido sobre seus corpos. Como bem relatado pela antropóloga Rita Segato, corpos que se tornaram territórios usados tanto pelos poderes paralelos – narcotráfico – que operam em todo o continente, como o poder do Estado através do descaso, e a violência doméstica, lugar que a mulher todavia é vista como propriedade, e seu corpo como expansão, alimentando uma espécie de tríade de territorialidades e disputas de poder. Pensar nas milhares de mulheres que jamais terão a possibilidade de manifestar todo o seu potencial no mundo pela violência que é exercida sobre elas, nos leva a refletir sobre militância e resistência, que se manifestam nas ruas, mas também de outras formas, mostrando que o esquecimento, que outrora era recorrente em relação a violência, hoje já não ocorre, pois há mulheres trabalhando formas de ressignificar essas vivências, resistindo ao esquecimento que geralmente acontece no decorrer do tempo.
 

Palavras-chave:  Feminicídios; Arte; Território; Memória.

 

 

A questão agrária e a invisibilizaçao da mulher rural

Zélia Leticia Dantas Bezerra

Este trabalho propõe um debate sobre a questão agrária no Brasil de 1964 a 1982 focando na situação da mulher campesina antes e depois da redemocratização entendendo a importância do debate feminista dentro da gestão pública. Mesmo quando longe dos movimentos de resistência ao regime militar, as mulheres rurais não estavam livres das violências do governo, sendo diretamente afetadas pelo regime autoritário. Afastado dos grandes centros urbanos, com ainda menos mídia a cobrir o descaso e as violências do governo militar, o campo é até hoje um dos espaços de grande resistência a governos autoritários. Ao mesmo tempo, também é um grande nicho de revisionismo graças ao domínio da narrativa histórica por parte das oligarquias políticas regionais, que perpetuam uma versão mentirosa de ordem e progresso, onde o campo é um local de atraso por natureza e não pela negligência e incompetência da gestão militar, obliterando quase sempre a importância das mulheres nos processos de resistência no campo.

Palavras-chave: Mulher, rural, campo.

Dos partidos políticos aos movimentos sociais: trajetórias políticas de Vera Maria Rocha e Maria Ivone Loureiro

Tatianne Ellen Cavalcante Silva

Este artigo traz ponderações iniciais sobre a trajetória de ativistas políticas que nas décadas de 1960 à 1980 transgrediram aos papéis sociais destinados às mulheres, romperam com o espaço privado e ingressaram no ativismo político, no espaço público. Iniciando suas trajetórias como militantes nos partidos clandestinos de esquerda, na luta contra a ditadura civil-militar instaurada em 1964, e no decorrer da segunda metade da década de 1970 e anos 1980 passaram a exercer seus ativismos políticos, ligadas aos movimentos sociais, como: Direitos humanos e movimentos de mulheres. Vera Maria Rocha e Maria Ivone Loureiro, cearense e alagoana, respectivamente, ambas militaram no PCBR e ficaram presas na Colônia Penal do Bom Pastor em Recife, onde desenvolveram parte de suas ações junto ao partido. Vera saiu da prisão para o exílio na lista de troca pelo embaixador suíço, retornando ao Brasil em 1979 com a Anistia política, passando a participar dos movimentos de mulheres. Ivone ainda na prisão passa a denunciar as torturas sofridas pelas/os presas/os políticas/os, e com a notoriedade que ganha o assassinato de seu companheiro no DOPS-PE passa a encabeçar campanhas contra a tortura, ao sair da prisão e voltar para Alagoas torna-se integrante da Sociedade Alagoana de Defesa dos Direitos Humanos e da União das Mulheres de Maceió. Pontos da trajetória destas mulheres ficaram registrados em entrevistas, testemunhos, e nos arquivos dos órgãos de repressão e de informação do governo ditatorial e é a partir destes que tecemos nossas análises. Dito isto, objetivamos analisar como estas mulheres teceram ativismos políticos na luta contra a ditadura e na busca pelas liberdades democráticas. 

Palavras-chave: Mulheres, ativismo político, ditadura civil-militar.


 

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