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ST 3 - Sexualidade e gênero dissidentes na ditadura civil-militar e redemocratização heteronormativas brasileira

Coordenação: Dr. Elias Ferreira Veras  (UFAL) e Dr. Paulo Souto Maior (UFRN)

Nos últimos anos os estudos a respeito do gênero e das sexualidades dissidentes, sobretudo no âmbito da historiografia brasileira, têm avançado sistematicamente. Desde a elaboração de artigos, coletâneas até a produção de dissertações e teses, a história da ditadura civil-militar e da redemocratização brasileira vem sendo atravessada por personagens e temáticas LGBTQIA+. Inspirados nos estudos foucaultianos, queer e intersecionais, o presente ST tem como objetivo reunir trabalhos que caminhem nessa perspectiva, dando conta das resistências, opressões, lgbtfomofobia, racismo, misoginia, dos processos de subjetivacao, produção e circulação de discursos, dispositivos que produzem e atravessam os sujeitos LGBTQIA+, suas existências e resistências de gênero, sexualidade e raça  no período que vai de 1964 a 1988. Devido ao formato remoto, estabelecemos um tempo de apresentação para cada apresentação que varia de 10 a no máximo 15 minutos, deixando um tempo para as perguntas, debate e socialização.

 

BIBLIOGRAFIA

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

GREEN, James Naylor. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. São Paulo, Unesp, 2000.

FOUCAULT, Michel. FOUCAULT, MICHEL. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001.

MACRAE, Edward. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da “abertura”. Campinas: UNICAMP, 1990.

MARTINS, Ana Claudia Aymoré; VERAS, Elias Ferreira. Corpos em aliança. Diálogos interdisciplinares sobre gênero, raça e sexualidade. Curitiba: Editora Appris, 2020.
QUINALHA, Renan Honório. Contra a moral e os bons costumes: A política sexual da ditadurabrasileira (1964-1988) – Universidade de São Paulo, 2017.
SOUTO MAIOR JÚNIOR. A invenção do sair do armário: a confissão das homossexualidades no Brasil (1979-2000). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC, 2019.
RODRIGUES, Rita de Cássia Colaço. De Daniele a Chrysóstomo: quando travestis, bonecas e homossexuais entram em cena. Tese (Doutorado em História Social), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, 2012.
TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2007.
VERAS, Elias Ferreira. Travestis: carne, tinta e papel. 2 Ed. Curitiba: Editora Appris, 2019.
_________________; PEDRO, Joana Maria. Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade das homossexualidades no Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.13, p. 90 ‐ 109, set./dez. 2014, p. 105.

Sessão 1 - Dia 21 de outubro de 2020, 14 horas

E havia uma ditadura cis-hétero-militar?

Rick Afonso-Rocha

Este texto não é um artigo. Também não chega a ser um texto experimental. Longe disso, é, digamos, o relato de uma aflição investigativa. Perdoem o descompasso argumentativo, escrevi o texto como estratégia de autoconvencimento. Gestei-o após a resposta que recebi do professor Renan Quinalha numa dessas lives de quarentena, agora tão comum em nosso dia a dia. Acredito que foi aquela realizada pelo projeto História em Quarentena. Evitei deixá-lo academicista. Penso num diálogo aberto que tento agora construir. O risco que corro – sempre corremos, é o dizer solitário. Monólogo espectral muito bem conhecido por nós, pesquisadores não-sudestinos ou não-sulistas. Vamos agora ao que importa. Sobre o que é este texto? Quinalha foi o primeiro pesquisador a utilizar a expressão “ditadura hétero-militar” para se referir à heterogeneidade das políticas sexuais adotadas, ou pelo menos, intensificadas durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1988). Desde que defendeu sua tese, em 2017, Quinalha se tornou referência nacional obrigatória aos estudos de confluência entre “homossexualidades” e ditadura. Disso decorreu a popularização, tanto no meio acadêmico quanto na militância, do uso da sua expressão conceitual. Ainda que alguns apresentem certa resistência, o conceito “pegou”, como diria Althusser. É sobre as (im)pertinências teórico-epistemológicas dessa noção que quero argumentar.

Palavras-chave: Ditadura cis-hétero-militar; LGBT+; Homossexualidades e ditadura.

Representações das homossexualidades na grande imprensa no “tempo de visibilidade”: aspectos metodológicos de uma pesquisa em andamento

Leonardo da Silva Martinelli

A presente comunicação visa apresentar parte da pesquisa de doutoramento em História do autor a partir da análise das representações das homossexualidades na década de 1980 abrangendo o chamado “tempo de visibilidade” (SOUTO MAIOR JR., 2019). Período em que as homossexualidades ganham destaque na mídia e na sociedade, especialmente em decorrência da epidemia de HIV-aids que nos primeiros anos é associada de forma intensa a estes sujeitos. Serão discutidos aspectos metodológicos de uso da imprensa na pesquisa histórica, especialmente a partir da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011; MORAES, 1999), abordando o processo de coleta das fontes e um panorama das matérias encontradas na revista Veja, representante da chamada grande imprensa e uma das fontes utilizadas. Esse semanário será brevemente historicizado apontando as razões de sua escolha nessa investigação e a abrangência de sua circulação na sociedade brasileira, bem como o crescente prestígio e valoração aferido por uma parcela da sociedade, especialmente parte da classe média urbana, público no qual a revista aponta destinar-se.

Palavras-chave: Representação; Homossexualidades; Revista Veja; Década de 1980. 

Pedagogias de liberdade e resistência em um jornal homossexual da imprensa alternativa do ano 1978

Alison dos Santos

Em 1978, o Ato Institucional Número 5 perde forças no Brasil. E é nesse contexto que surge na imprensa alternativa da época o jornal o Lampião da Esquina. A proposta desta publicação é produzida a partir de um grupo de intelectuais, artistas e jornalistas brasileiros que, inspirados em Winston Leyland, editor da revista norte-americana Gay Sunshine, percebem a possibilidade de circular uma publicação semelhante aqui no brasil. Sendo assim, inscrevemos este trabalho nos campos teóricos dos Estudos Culturais em Educação e dos Estudos de Gênero, em aproximação com a vertente pós-estruturalista. Examinamos as primeiras edições deste jornal, tomando-o como uma instância educativa do período estudado, a partir da seguinte indagação: que pedagogias de gênero e sexualidade este artefato cultural veiculava? O exame do material empírico evidenciou que a publicação operava na produção de pedagogias de gênero e de sexualidade em um período histórico, marcado pela opressão e silenciamento, atuando para ampliar autoafirmação, reconhecimento social e ampliação de direitos.

Palavras-chave: Pedagogias culturais; Jornal Lampião da Esquina; gênero; sexualidade.

Direito LGBTQIA+ de aparecimento: uma “política sexual” na abertura política brasileira? (1978-1988)

Roberta dos Santos Sodó

Este trabalho é fruto das atividades de pesquisa desenvolvidas junto ao Projeto PIBIC “Corpos aliados e lutas políticas: resistências LGBT e redemocratização na perspectiva de gênero (1978-1988)” (CNPq/UFAL/FAPEAL, 2019-2020). É também parte das ações do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Sexualidade (GEPHGS/UFAL). Neles, buscamos interpretar as experiências históricas em torno da organização e hierarquização das relações centradas no gênero e na sexualidade (BUTLER, 2005; SCOTT, 1995). Nesta comunicação de pesquisa, analisamos o contexto dos anos finais do regime de exceção brasileiro (1964-1988). Por meio de levantamento bibliográfico e análise do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), compreendemos as ações dos censores como sinal do extenso uso de teorias homofóbicas e sexistas. Seu objetivo foi barrar o aparecimento de gênero e de sexualidades consideradas desviantes da “norma” heterossexual (BUTLER, 2018; BORRILLO, 2010). Nesse aspecto, o regime operou através de uma política de “limpeza” que passou pelos meios de comunicação,  áreas e cargos públicos ocupados por homossexuais. O texto Ditadura e Homossexualidades que compõe o volume II do Relatório Final da CNV, descreve justamente como foram levadas a efeito tais violações. Foram infligidos direitos e definidos “papéis sociais, o acesso ao poder, e a posição de cada indivíduo segundo seu gênero e sua classe” (BORRILLO, 2010, p.47). Em resistência a essa política, o movimento homossexual criou formas de disputar o espaço público, denunciando o sentido pecaminoso e patológico relegado as práticas homoeróticas.

Palavras-chave: Ditadura; Homossexualidades; Política Sexual.

Interseccionalidade no jornal Lampião da Esquina (1978-1981): (Des) encontros entre os movimentos homossexual e negro

Ana Maria de Barros Lima

O jornal Lampião da Esquina (1978-1981) surgiu nos últimos anos da ditadura civil-militar brasileira, sendo o primeiro jornal de temática homossexual de circulação nacional no país. Além da homossexualidade, o Lampião abriu espaço para outras discussões político-sociais em suas páginas. A partir de uma perspectiva interseccional (Crenshaw, 2002; 2020), abordo nesta comunicação, os (des) encontros, nas páginas do jornal, entre o dito Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) e o Movimento Negro Unificado (MNU). A abordagem interseccional compõe-se da percepção das dinâmicas de interação entre eixos de subordinação que indicam as particularidades de como cada sujeito vivencia a discriminação, compreendendo que os marcadores sociais – como gênero, raça e classe – não se excluem, mas se transformam em uma rede intrínseca de discriminações cruzadas. As contribuições de Michel Foucault (2017) e Joan Scott (1995) acerca da sexualidade e do gênero também são importantes para a análise. Foucault, compreende a sexualidade como dispositivo de poder que emerge historicamente como forma de controlar os corpos. Enquanto, Scott concebe o gênero como categoria que possibilita a interpretação das normas sociais. Nos anos 1970-1980 os movimentos homossexual e negro atuaram em conjunto pelo fim da ditadura civil-militar, apesar dos conflitos internos e externos. Constata-se a importância que teve o Lampião para a emergência do Movimento Homossexual Brasileiro como também a sua parcela de contribuição na visibilidade de outras questões político-sociais, mesmo não sendo aceito como um jornal das minorias, principalmente com as pautas feministas e negras.  

Palavras-chave: Lampião da Esquina; Movimento Homossexual Brasileiro (MHB); Movimento Negro Unificado (MNU).

Corpo LGBTIA+ no Fradim (1970-1981) de Henfil: normatividade, resistência e paradoxo

Gilson Costa da Silva 

 Este trabalho especifica-se como um recorte de nossa pesquisa de dissertação de mestrado sobre corpo e sexualidade a partir das obras de Laerte e Henfil, mas também como um movimento reflexivo no partir de nosso projeto de doutorado em andamento onde buscamos analisar transformações dos discursos sobre o corpo LGBTIA+ em materialidades que circulam no dispositivo de poder-saber da mídia e do ciberespaço na composição de arquivos difusos. Nessa cartografia pelos terrenos íngremes da sexualidade e dos dispositivos que a circundam, observamos o discurso funcionando no corpo e através  dele para constituir linhas de subjetividade no presente. Como parte do arquivo, cada forma ou enunciado nos oferece a possibilidade de refletir sobre o que somos em termos de devir, mesmo quando algumas institucionalmente se localizam no campo do comentário,  como as tiras e quadrinhos. Enquanto recorte, objetivamos analisar o corpo LGBTIA+ nas tiras de Henfil, mais precisamente na edição número  01 do Fradim e para isso, buscamos refletir sobre a relação dispositivo-arquivo na produção do imaginário social; refletir sobre o corpo como materialidade constituída  historicamente; e analisar a tira humorística em sua função  enunciativa, função de comentário. Teórica  e metodologicamente, situamo-nos no conjunto de reflexões  acerca do discurso nos termos da arqueogenealogia foucaultiana. Assim, desenvolvemos uma pesquisa de caráter  qualitativo enquanto estudo de caso, uma vez que, da obra publicada nas 31 edições da revista Fradim (1970-1981), especificamos como corpus para análise a edição  número  01 reeditada. A escolha por esta edição se justifica pela construção dos personagens principais das tiras principais de Henfil. Nela são apresentados  e se desenvolvem as personalidades desses personagens, os frades, sendo um deles caracterizado recorrentemente como LGBTIA+. Salientando o caráter de recorte dessa pesquisa, nossos resultados e considerações  finais delineiam um funcionamento paradoxal na apresentação  e constituição dos personagens, pois, na medida em que se posiciona e estabelece uma crítica  da sociedade representada, isto é, no contexto da ditadura, o modo como aborda o corpo LGBTIA+ transita entre as lutas de resistência e o discurso normativo de então, considerando nesse processo a relação do normal e do patológico que permeava naquele momento, mas que produz seus ecos em nossos dias, no presente, marcando o corpo.

Palavras-chave: Tiras; Corpo; Dispositivo; Discurso; Arquivo.

Pego nas Forças Armadas: A dissidência sexual militar nos quartéis da ditadura (1964-1985)

Raian Souza Santos 

A apresentação tem como temática central a dissidência sexual militar que ocorreu nos quartéis das Forças Armadas (FA) no período ditatorial brasileiro (1964-1985). Através das narrativas elaboradas pelos Processos de Investigação Sumária (PIS) que foram instaurados contra membros das FA acusados do crime de pederastia é possível afirmar que uma série de expurgos no funcionalismo público militar no período ditatorial foi motivada pela criminalização de práticas homoeróticas dentro, mas essencialmente fora do âmbito castrense. Nessa perspectiva e inserida no contexto do dito projeto de “moralização” das FA houve uma verdadeira caçada aos militares sexualmente dissidentes não só dentro, mas também fora dos quartéis. Para o ideário ditatorial era fundamental sanear as fileiras militares da presença aviltante e vexatória do homossexualismo (sic). Referenciados nas ideias-força do conceito de ética militar os agentes ditatoriais nas instituições militares buscavam negar com veemência qualquer vínculo entre os indiciados por pederastia e o chamado espírito militar que supostamente era um elemento distintivo dos integrantes das FA. Representado como o “Outro” do militar padrão, sobre o militar desviante recaia as pechas de imoral, promiscuo, indecoro, fraco, corrupto e anormal; conjunto de qualificadores altamente estigmatizantes que serviram para demarcar um suposto alheamento do militar dissidente dos intrínsecos valores e deveres da profissão militar. O intuito dos agentes ditatoriais em atestar uma hipotética incompatibilidade do militar sexualmente dissidente com o serviço das FA por meio de critérios meramente morais era também uma forma autoritária de reafirmar a identidade militar enquanto uma encarnação de um modelo de masculinidade heterossexual, viril, patriota e disciplinado, como queria fazer crer o ideário discursivo da ditadura. O empenho em institucionalizar a heterossexualidade como uma composição fundante da identidade militar não foi uma ação exclusiva do discurso ditatorial, é perceptível que uma boa parte da bibliografia sobre militares no Brasil, escrita no pós-ditadura, também recorreu à imagem do militar padrão, pretensamente hétero-viril, patriota e disciplinado para ilustrar seu conjunto de teses e reflexões. A bibliografia especializada que analisou aspectos da caserna nas últimas décadas do século XX no Brasil praticamente ignorou a dissidência sexual militar como uma manifestação própria da forma de militarismo que vinha ocorrendo naquele momento. Nessa conjuntura de uma forte negação da existência do militar dissidente, fica claro que o discurso ditatorial assim como uma parte significativa da bibliografia sobre militares escrita no pós-ditadura compreendia o dissidente como um sujeito alheio ao ambiente militar; um elemento que não coadunava com os princípios da ética militar. Tachados de pederastas, os militares dissidentes resistiam à negativa alienante dos agentes ditatoriais se colocando nos processos de pederastia como genuínos militares. A partir da notória complexidade da existência de práticas homoeróticas nos quartéis do período ditatorial, levanto a seguinte tese: A bibliografia sobre militares que foi produzida no pós-ditadura de alguma forma reproduziu a representação ditatorial em torno do militar padrão, heterossexual, viril e patriota.
 

Palavras-chave: Militar; Sexualidade; Dissidência.

Sessão 2 - Dia 22 de outubro de 2020, 14 horas

Panorama histórico do dia nacional do orgulho lésbico narrado no boletim Chanacomchana

Jaíne Chianca da Silva

Falar sobre o Dia Nacional do Orgulho Lésbico, que é comemorado em 19 de Agosto, é falar sobre um ato político de grande importância que aconteceu em 1983, liderado pelo Grupo Ação Lésbica Feminista (GALF). No dia 19 de agosto de 1983, no Ferro’s Bar, localizado na cidade de São Paulo, as integrantes do GALF juntamente com a deputada Ruth Escobar (PMDB), da vereadora Irede Cardoso (PT), dentre outros políticos, advogados, fotógrafos, fizeram acontecer o “happening político”, como as autoras falam. Tornando-se mais uma conquista para o movimento lesbiano brasileiro. As integrantes do GALF queriam vender livremente as edições do boletim ChanacomChana (1982-1987) sem sofrerem agressões físicas e/ou verbais. Mas, mais importante que isto, elas queriam a liberdade de se expressarem como eram em uma sociedade falocrática, que excluía/exclui o feminino, principalmente quando esse feminino amava/ama outro feminino. Debater sobre a visibilidade lesbiana é um exemplo de luta considerando o atual quadro sócio político em que nos encontramos nessas primeiras décadas do século XXI. São os discursos inscritos no boletim ChanacomChana sobre este ato político e suas intencionalidades que queremos analisar como ferramenta metodológica de pesquisa. Para contribuir e atribuir sentido a estas interações e discussões, que ainda estão presentes na nossa sociedade do século XXI, utilizaremos diálogos teóricos e metodológicos fornecidos principalmente por Patrícia Lessa, Michel Foucault, Félix Guattari e Suely Rolnik.

Palavras-chaves: Dia Nacional do Orgulho Lésbico; GALF; Boletim ChanacomChana; Ferro’s Bar.

Escritos pornográficos: censura e imoralidade em Uma mulher diferente de Cassandra Rios (1965-1975)

Francisca Aline Cordeiro da Silva

Durante o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), a escritora paulistana Cassandra Rios (1932-2002) teve, aproximadamente, 36 livros censurados pelo o regime. Em boa parte de suas obras, a autora abordou assuntos relacionados à sexualidade; trouxe personagens lésbicas; descreveu de forma explícita as práticas sexuais, e trabalhou suas personagens enquanto indivíduos que sentem desejo e prazer. Devido a presença de tais assuntos, seus livros foram censurados por serem vistos como atentatórios à moralidade pública e considerados pornográficos. Dessa forma, nos debruçamos sobre o livro Uma mulher diferente (1965) e sobre o seu parecer de censura, onde é realizado o pedido de proibição, com o objetivo de compreender, o que a censura entendia por “pornografia” e “moralidade”, visto que, foi por meio desses termos que o pedido de apreensão da obra foi feito. Para tanto, destacamos algumas de nossas fontes, como: o parecer 1755/75, que realiza o pedido de proibição da obra; o Decreto-Lei 1077/70, que promulga a censura prévia e a proibição de materiais contrários à moralidade pública; e a obra Uma mulher diferente. No que concerne a metodologia, nos utilizamos de Foucault (1996), para entendermos o que é “discurso”, de Nóbrega (2015), para a análise do parecer de censura e de Ferreira (2009), Martins e Cainelli (2015) para a análise de texto literário. Com a pesquisa, percebemos que a parecerista estava mais preocupada com o acesso dos jovens aos materiais, do que com as discussões trazidas no livro sobre identidade de gênero, e que as práticas sexuais reproduzidas por indivíduos “subversivos” contribuíram para a delimitação do que é entendido por ela enquanto “pornográfico” e “imoral”. 

Palavras-chave: Censura; Cassandra Rios; Pornografia; Moralidade.

Madame Satã: enquadramentos e representações de sexualidade e raça no jornal O Pasquim

Alexandre Da Silva

O presente trabalho visa como principal objetivo debater os enquadramentos e representações de sexualidade e raça de Madame Satã, a partir da entrevista que a mesma concedeu ao jornal O Pasquim, no ano de 1971 . Para esta análise, estabeleço diálogo teórico-metodológico interseccional com Judith Butler (2015), especialmente, sua discussão sobre enquadramento e bell hooks (2019), sobretudo, sua análise sobre representações negras. Partindo de uma ótica queer e decolonial (Lopes, 2004; Davis, 2016; Kilomba, 2019; e Maldonado-Torres, 2018), procuro compreender as possibilidades analíticas dos demarcadores sobre Madame Satã, citados acima. Esse trabalho propõe ressignificar os olhares discriminatórios sobre a subjetividade transgressora de Satã no imaginário brasileiro.

Palavras-chave: Imprensa; enquadramento; representação; sexualidade; raça.

A perseguição às travestis no carnaval do Recife (1950 - 1970)

Rosana Maria dos Santos 

As décadas de 1950 e 1970 são marcadas por acontecimentos e normativas, segundo a historiografia que analisa o Carnaval do Recife. Nesta época, organizar o reinado de Momo tornou-se uma prioridade política, pois os administradores julgavam necessário criar políticas públicas capazes de solucionar uma questão que há décadas era destaque nos periódicos da cidade: ‘salvar o Carnaval do Recife da decadência’.  Na tentativa de organizar a festa, portarias e legislações foram criadas para proibir as práticas consideradas subversivas, dentre elas a participação das travestis, que estavam presentes em muitas agremiações carnavalescas. No ano 1970 uma resolução da Secretaria de Segurança Pública (SSP/PE) proibiu que as travestis e homossexuais fossem vistos nas ruas durante o Carnaval do Recife. No entanto, a resistência das travestis pode ser vista e problematizada na historiografia e nos periódicos da cidade. Neste sentido, a pesquisa analisou a perseguição às travestis no reinado de Momo, ressaltando também suas resistências a qualquer tipo de norma ou proibição.  

Palavras-chave: Carnaval; Recife; Travestis 

“Incongruência de gênero na infância” ou repatologização da homossexualidade?

Eugênia Rodrigues

Tem-se notado, em diversos países, entre eles o Brasil, um aumento do número de crianças e adolescentes diagnosticados com “incongruência de gênero” (termo atual para condições que já foram nomeadas genericamente como “inversão sexual”, “transexualismo”, “disforia de gênero” e “transtorno de identidade de gênero”). Paralelamente, as vendas de medicamentos utilizados como bloqueadores da puberdade em crianças com esses diagnósticos também têm aumentado expressivamente. Entretanto, estudos de longa duração revelam desaparecimento desses sintomas após a puberdade e a homossexualidade como características predominantes entre os pacientes. Tão recente quanto a despatologização da homossexualidade, em 1973, data o reconhecimento do “transtorno de identidade de gênero” na infância. Este trabalho busca investigar a correlação entre a medicalização de comportamentos infantis desviantes do sistema de gênero vigente e a medicina como instrumento de normatização.

Palavras-chave: Infância; medicina; sexualidade; gênero; desmedicalização.

Conexões globais e a defesa do Lampião da Esquina

Henrique Cintra Santos

O movimento LGBTI+ tem recebido crescente interesse acadêmico nos últimos anos. Porém, devido sua pluralidade, os escopos nos quais tais resistências são observadas também devem ser diversificados. Assim, a perspectiva de História Global, ainda pouco empreendida nos estudos de gênero e sexualidade, se mostra profícua para se pensar as resistências desses corpos dissidentes. Pretende-se aqui tomar a perspectiva de História Global a fim de observar os jogos de escala entre o global e o local que marcam os movimentos LGBTI+ no país. Destaca-se analisar no trabalho o processo judicial ao jornal Lampião da Esquina durante o período de abertura da ditadura militar brasileira. No decorrer da vigilância e dos inquéritos policiais, os quais duraram cerca de 12 meses, houve uma campanha internacional, engajada especialmente por João Antônio Mascarenhas, um dos pioneiros do ativismo LGBTI+ no Brasil. Mascarenhas angariou o apoio de outros grupos homossexuais estrangeiros, os quais passaram a pressionar entidades governamentais brasileiras no que concerne à perseguição ao Lampião. Tal cooperação é indício de um processo complexo não apenas de trocas de apoio entre entidades locais e globais, mas também das conexões que o movimento LGBTI+ brasileiro foi traçando, respeitando suas especificidades locais, mas cada vez mais integrado à uma rede global de resistência. Para o trabalho, destaca-se o arquivo de Mascarenhas, em especial as correspondências trocadas com outros líderes estrangeiros de grupos diversos do ativismo LGBTI+, disponível no Arquivo Edgard Leuenroth. Almeja-se, dessa forma, não apenas abranger as lentes pelas quais a memória de tais grupos dissidentes é tomada, mas apontar para a defesa da História Global como pertinente para se pensar as questões de gênero e sexualidade. Deve-se também frisar que, ao se voltar para uma análise dos jogos entre o global e local, busca-se superar as narrativas que propagam a ideia de uma receptividade passiva por parte dos grupos locais em relação à uma integração global em torno das lutas LGBTI+. Assim, sublinha-se a participação ativa dos grupos brasileiros em uma troca global de experiências, cooperação e luta.

Palavras-chave: História Global; Resistência; Sexualidades.

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