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ST 5 - Corpo(s), Gênero(s), Feminismos e Ditaduras no Cone Sul durante o século XX.

Coordenação: Doutorando Cassiano Celestino de Jesus (UFBA) e Mestra Maria Aline Matos de Oliveira (UFS)

Na América Latina, especialmente nos países do Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia e Paraguai) entre as décadas de 1960 e 1980, foram instaurados sistemas autoritários e repressivos que perseguiram, sequestraram, torturaram e mataram inúmeras pessoas consideradas “subversivas”. Neste período, vários são os corpos que não importam. Diversos são os indivíduos classificados como abjetos, a quem se nega até mesmo o direito de viver. São perseguidos e punidos todos os corpos e todas as práticas tidas como desviantes daquilo que estava instaurado e legitimado como correto e “verdadeiro”. Entretanto, apesar do autoritarismo, é preciso ressaltar que a resistência também esteve presente, foram diversas as instituições e movimentos sociais e feministas, de mulheres e homens, que lutaram diretamente contra o sistema repressivo. Assim, diante das atrocidades dos regimes autoritários, distintas foram as vozes que entraram em ação para exigir, de forma coletiva, a retomada do regime democrático. Neste sentido, este simpósio temático tem o objetivo de dialogar com trabalhos sobre gênero, movimentos sociais, políticos e de resistências, no período de ditaduras militares na América do Sul. Desta forma, o simpósio busca contemplar pesquisas sobre autoritarismo, ditaduras, gênero, resistência, movimentos sociais e feministas, história, memória, literatura, entre outras temáticas, referentes aos governos ditatoriais e autoritários.

 

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Sessão 1 - Dia 21 de outubro de 2020, 14 horas.

Experiências de mulheres artistas em regimes autoritários no Brasil e em Portugal (décadas de 1960 e 1970)

Vera Rozane Araújo Aguiar Filha

Esta comunicação abordará as experiências de mulheres artistas em contextos de regimes autoritários no Brasil e em Portugal durante as décadas de 1960 e 70, a partir das seguintes perguntas: de quais maneiras mulheres artistas praticaram arte como forma de resistência à ditadura? Como essas obras circularam, foram recepcionadas, perseguidas ou até mesmo assimiladas pelos instrumentos de poder, pela crítica de arte e pelo público? A ênfase nas experiências femininas no campo da arte se relaciona ao esforço historiográfico recente de demarcar a atuação de mulheres no mundo artístico  –  algo negligenciado pela História da Arte ao longo do tempo – além de historicizar as relações de género nas artes. Para tanto, serão estudadas as experiências das artistas de forma transversal, comparando elementos individuais e conjunturais, nos dois países, na tentativa de refletir sobre as relações entre arte, política e cultura. 

Palavras-chave: Arte; mulheres; regimes autoritários; Brasil; Portugal.

A tortura aos corpos femininos: microhistórias sobre a ditadura civil-militar no Brasil.

Keides Batista Vicente

Com base no método de pesquisa da micro-história italiana que propõe reduzir as escalas de análises e ouvir as experiências de grupos marginalizados, excluídos e silenciados da história, pretende-se compreender as formas de torturas empregadas pelo Estado contra corpos femininos durante a ditadura civil-militar no Brasil  Para isto buscou-se através da história oral acessar a memória de uma ex-militante da ALN  (Aliança Libertadora Nacional), e deste modo compreender, a partir de seu relato, como as ações dos representantes do estado atuavam como práticas de torturas físicas, psicológicas e sexuais. Através do relato da ex-militante, que foi mantida por seis meses no Presídio Tiradentes e passou por vários momentos de interrogatórios, compreende-se a relação patriarcal e misógina empregada no processo de tortura, como manter uma mulher nua e com os olhos vendados, tocar o corpo e as partes sexuais, além de sugerir ações contra seu corpo e também seus familiares e parceiros. 

Palavras-chave: Mulheres; micro-história; corpos. 

O Movimento de Mulheres do IAJES: atuação e experiência política em tempos de ditadura. 

Thatiane Ferreira de Assis

O presente trabalho é resultado de uma iniciação científica, no qual se objetiva analisar a trajetória do Movimento de Mulheres do IAJES, que em meio a censura e repressão do período civil-militar brasileiro, emergiu na periferia da cidade de Andradina, na década de 1970, e cresceu no seio do Instituto Administrativo Jesus Bom Pastor, o IAJES. Nos primeiros anos de atuação, suas integrantes desenvolveram trabalhos de caráter assistencialista na comunidade em que residiam, e, ao longo de sua trajetória, investiram no seu crescimento temático, de forma a ultrapassar as barreiras da periferia. Junto aos movimentos feministas e de mulheres, engajaram-se em diversas frentes de luta, dentre elas, a mobilização em torno de seus direitos na Constituinte, visando a retomada do regime democrático através da discussão e elaboração de suas demandas, sistematizadas na Carta das Mulheres aos Constituintes de 1987. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram realizados o levantamento bibliográfico e a análise documental no fundo arquivístico do IAJES, no Núcleo de Documentação Histórica Honório de Souza Carneiro (UFMS|CPTL) especificamente nas caixas relativas ao Movimento de Mulheres, que contam com uma grande quantidade de cartas, convites, relatórios e avaliações de reuniões que ajudaram a perscrutar o objeto proposto. Como resultado, foi possível compreender, além da processualidade e das particularidades do movimento, um panorama geral das demandas discutidas e propostas pelas mulheres de Andradina.  A participação feminina na Constituinte foi fundamental para a ampliação da cidadania e representou um capítulo importante na luta por direitos, na medida que cerca de 80% das proposições presentes na Carta das Mulheres foram incorporadas ao texto constitucional.  A análise do referido movimento revela a organicidade de mobilização dessas mulheres, os limites da cidadania conquistada, uma vez que seus direitos continuam sob constantes ameaças e disputas, como também, que a Constituinte compreendeu uma ampla descentralização democrática participativa, e, neste sentido, apresentar novos arquivos e descortinar atuações periféricas, como o caso das mulheres de Andradina-SP, contribui amplamente para a construção de conhecimento. 

Palavras-chave: Movimento de Mulheres; Ditadura; Mobilização, IAJES. 

Entre regressos e memórias: (re)conhecimento e escrita de si no romance Voltar a Palermo de Luzilá Gonçalves Ferreira

Joyce Luciane Correia Muzi

A literatura escrita por mulheres se tornou um campo bastante prolífico tanto no Brasil como no mundo. Graças a trabalhos desenvolvidos pela crítica feminista sobretudo a partir da década de 1980 e pautados principalmente sobre o que se convencionou chamar “história das mulheres”, atualmente as mulheres são reconhecidas como sujeitas do saber/poder, nos termos de Foucault. Tendo isso em vista e baseando-se na crítica literária feminista, cujos trabalhos nos permitem conhecer obras literárias e escritoras importantes na contemporaneidade, este trabalho objetiva analisar um romance Voltar a Palermo (Rocco, 2002) da escritora pernambucana Luzilá Gonçalves Ferreira, professora, pesquisadora e premiada escritora, membra da Academia Pernambucana de Letras. Neste romance híbrido, tempo, espaço e forma se alternam para nos fazer conhecer a história de Maria e Nino. Ela, uma professora brasileira que regressa a Buenos Aires em busca de seu amor do passado, e ele um desaparecido durante a ditadura militar naquele país (1976-1983). Os fatos de vinte anos antes que poderiam ser considerados passados se mostram bastante atuais para as personagens, especialmente para Maria que acaba empreendendo uma busca por si mesma. A análise do romance se dá a partir da representação da personagem que narra sua própria história; como uma professora aposentada, amadurecida e consciente das posições que ocupa, faz as próprias escolhas e se aproveita de pessoas, contextos e situações para se (re)conhecer e voltar-se à “escrita de si” como prática de liberdade e como espaço de constituição de sua subjetividade.

Palavras-chave: Literatura escrita por mulheres; Luzilá Gonçalves Ferreira; Voltar a Palermo; escrita de si.

A especificidade do gênero na violação dos direitos humanos: uma análise do perfil de presas políticas mortas e desaparecidas na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).

Isabela Rodrigues do Nascimento

Durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), o aparato repressivo do regime inicialmente tinha como alvo o plano partidário e luta política clandestina, mas a liberdade de imprensa, a área intelectual e artística também se tornaram polos de resistência (MERLINO, OJEDA) e foram severamente censurados e reprimidos pelos militares, resultando em muitas vítimas de graves casos de violação aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade, com mortos, desaparecidos políticos e a utilização de diversas formas de tortura contra os opositores durante os 21 anos de ditadura.
Uma parcela expressiva de mulheres participou da luta organizada de resistência ao regime: entraram para organizações revolucionárias clandestinas, como a guerrilha urbana e rural, participaram da imprensa clandestina, do cuidado dos aparelhos que serviam de base para estruturar as organizações e atividades. Eram duas vezes subversivas: tiveram que subverter a ordem do estado ditatorial e por vezes enfrentar suas próprias organizações políticas, ao desviar dos estereótipos de submissão e dependência impostos pela ordem patriarcal.
Durante todo o período ditatorial a tortura e o extermínio foram táticas institucionalizadas na repressão aos opositores. Mas, apesar desta ter sido violenta tanto contra homens quanto mulheres, no caso das mulheres utilizavam-se das convenções de gênero para fragilizar e manipular: o corpo das mulheres, ligado à identidade feminina como objeto sexual, esposa e mãe, era objeto de tortura sexual (JELÍN), estupro, abortamentos forçados e esterilização. A violência de gênero não ocorreu somente quando um corpo foi violado por um ato de violência sexual, mas sim nas formas como o corpo foi degradado como expressão de poder patriarcal (TEGA), considerando o grande impacto na subjetividade das pessoas violadas.
Ao tratar da atuação política de mulheres revolucionárias e apresentar a forma misógina como o sistema repressivo atuou ao utilizar dessa violência para torturar e exterminar mulheres por subverterem seu lugar na sociedade, se evidencia a situação das mulheres como produto de relações sociais e denuncia legados autoritários e hierárquicos do processo histórico das relações de poder e gênero, revelando outras formas de se abordar as subjetividades, o corpo e as experiências vividas pelas vítimas.
O presente estudo está em andamento e busca analisar e traçar um perfil das presas políticas e militantes contra o regime ditatorial que foram mortas ou vítimas de desaparecimento forçado, desde o golpe até o fim do regime, utilizando um banco de dados construído a partir de informações de documentos oficiais do Estado e artigos, livros e materiais produzidos por órgãos e instituições de direitos humanos. O estudo também visa identificar e abordar a partir do banco de dados a especificidade da violência de gênero dentre os crimes cometidos contra essas mulheres, utilizando o conceito de gênero como uma categoria de análise histórica, além do contexto histórico e político construído por estudos sobre memória da ditadura e justiça de transição.

 

Palavras-chave: ditadura; mulheres; violência de gênero; tortura.

“A BELEZA É O ESPLENDOR QUE RELUZ NO CORPO” : Beleza, juventude e honra na imprensa paripiranguense da década de 1950.

Vanessa Nascimento Souza

O modelo de corpo belo surgia para as mulheres de elite da cidade de Paripiranga/BA através das revistas de fotonovela, de moda francesa, cinema e os poemas divulgados semanalmente na imprensa local. Para o público feminino, as publicações do periódico O Ideal se voltavam a focar em temas como a maternidade e as atividades da vida cotidiana no ambiente doméstico e do lar, bem como realçava os padrões estéticos de beleza, pontuando sempre os bons costumes e a honra como premissa para se classificar as mulheres como “moças de família”.  Sendo assim, o objetivo central deste trabalho é investigar como as publicações sobre a temática da beleza e da juventude do periódico O Ideal, acentuaram a ideia de submissão e passividade da figura da mulher. O método de pesquisa utilizado foi o que propõe Ginzburg (1989), quando fala que o historiador deve fazer um trabalho igual ao detetive, voltar seu olhar para os vestígios muitas das vezes não perceptíveis em uma primeira análise, precisando assim de um minucioso trabalho de pesquisa para o que está oculto nas entrelinhas da fonte histórica. Deste modo, para compreender como a influência de um padrão de beleza europeu modelou e deu sentido aos concursos de rainhas da primavera em Paripiranga, foi necessário uma análise e confronto das manchetes divulgadas pela imprensa local com depoimentos de mulheres que fizeram parte de algum dos concursos que ocorreram na década de 1950. As fontes utilizadas para este trabalho foi o jornal O Ideal e s depoimentos orais, consultados no acervo digital do LEPH – Laboratório de Ensino e Pesquisa em História. A pesquisa traz uma contribuição muito importante para historiografia local, tendo em vista a falta de estudos sobre a história da cidade, sendo notado apenas um livro historiográfico e alguns de memorialistas, que na sua investigação não deram atenção a questão do cotidiano feminino.

Palavras-chave: Mulheres, beleza, imprensa.

Entre pães e pílulas:  sexo, drogas e catolicismo ou O Corpo em Disputa (anos 1960/70).

Francisco Alysson Silva Pinheiro

O cristianismo da libertação ocupou destacado papel de resistência à ditadura instaurado em 1964, no Brasil. Sua atuação, voltada aos pobres e carentes, foi determinante nas denúncias de tortura bem como na organização dos trabalhadores do campo e da cidade. Entretanto, seu caráter social por vezes negligenciaram as questões de gênero, entrando frequentemente em acirrado conflito com as bandeiras sociais da chamada “Revolução Sexual”, presente também nos anos 1960/70. Partindo desse choque, minhas inquietações surgem justamente de algumas falas de intelectuais representativos da Igreja Católica do período, tais como Alceu Amoroso Lima, dom Hélder Câmara e Frei Fernando de Brito, onde aparenta uma clara oposição entre bandeiras como “fome” e  “pobreza” em relação às bandeiras da “Revolução Sexual”, da Pílula, da chamada “revolução dos costumes”, libertação do corpo, entre outras. Por um lado, a ideia sagrada do pão, alimento do estômago e símbolo moral em prol dos mais necessitados; por outro, as pílulas: fármaco que se propõe a liberar o sexo de seu caráter reprodutivo, bem como supostamente assegurar a um determinado grupo de mulheres sua dita liberdade sexual. Norte e sul, o corpo é disputado por essas bandeiras em todas as suas necessidades, mucosidades, tecidos e órgãos. Busco, nesse sentido, por meio de matérias e falas nos periódicos de grande circulação do período, tais como o Jornal do Brasil, as revistas Manchete, Realidade e O Pasquim, compreender como esse debate se deu ou não, quais ideias eram mobilizadas nesse conflito, atentando para a polivalência que cada uma dessas bandeiras possuíam. Acredito que tal compreensão de ambas as bandeiras sociais seja imprescindível para complexificar o problema central que pretendo analisar aqui, bem como para recusar entendimentos limitados e insuficientes desse conflito. Se de um lado, por exemplo, as bandeiras da “Revolução sexual” e da “revolução dos costumes” buscavam construir novos sujeitos e novos modos de vida; por outro, algumas de suas demandas acabaram sendo apropriadas pela sociedade de consumo e pela chamada “indústria cultural” do período. Do mesmo modo, o cristianismo da libertação parece também ter usado a bandeira social da fome e da pobreza como instrumento no combate a essas ideias.
 

Palavras-chave: Corpo; “Cristianismo da Libertação”; “Revolução Sexual”.

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