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ST 7 - Gênero, memória e emoções nas narrativas de mulheres sobre a ditadura militar brasileira

Coordenação: Mestranda Alina Nunes (UFSC) e Mestranda Lara Lucena Zacchi (UDESC)

Este simpósio tem o objetivo de discutir e aprofundar reflexões sobre as relações entre gênero, memória e emoções no contexto da ditadura militar brasileira, sendo estas relações abordadas principalmente a partir do viés das narrativas de mulheres que vivenciaram a ditadura. As narrativas referem-se àquelas produzidas por meio de depoimentos, testemunhos e entrevistas orais, livros de memórias e (auto)biografias. Entendemos que a relação entre gênero e emoções se dá a partir da compreensão de que as emoções são também expressões culturais e políticas de repressão e resistência, manifestando-se nas memórias de mulheres sobre o período. Nesse sentido, é importante refletir sobre como as emoções deixam impressões nas memórias de mulheres que viveram esse período, tanto no âmbito individual quanto coletivo. Essas emoções permeiam suas redes de afetos, de amores, de amizades, mas também referem-se às emoções difíceis de serem suportadas, como a tristeza, a raiva e o luto vivenciados no período. Buscamos com este ST compreender como as mulheres fazem uso político dessas emoções no tempo presente. Portanto, o ST pretende agrupar trabalhos que abordem as narrativas sobre as relações entre gênero, memórias e emoções do período da ditadura militar (1964-1985), retomadas desde o período de redemocratização até o tempo presente, compreendendo que, nesse momento, as políticas da memória foram construídas em nosso país e não devem ser dissociadas das políticas da emoção.

 

BIBLIOGRAFIA

AHMED, Sara. The cultural politics of emotion. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2004.
ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas de subjetividade contemporânea. Tradução Paloma Vidal. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010.
OBERTI, Alejandra. ¿Que le hacé el género a la memoria? In: PEDRO, Joana M.; WOLFF, Cristina. S. (Org.). Gênero, feminismos e ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Editora Mulheres, 2010.

PASSERINI, Luisa. A memória entre política e emoção. São Paulo: Letra e Voz, 2011.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 77-98, 2005.
PERROT, Michelle. Práticas da memória feminina. Revista Brasileira de História, São Paulo, n.18, p. 9-18, 1989.

ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Org.) História Oral e História Das Mulheres: Rompendo Silenciamentos. São Paulo: Letra e Voz, 2017.

ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. O direito à memória: a história oral de mulheres que lutaram contra a ditadura militar (1964 - 84). Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, jul./dez. 2013. p. 108 - 132.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, nº 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.

WOLFF, Cristina Scheibe. Corpos narrados nas memórias das ditaduras do Cone Sul. Seculum Revista de História, João Pessoa, n. 39, p. 267-278, jul./dez. 2018.

WOLFF, Cristina Scheibe. Pedaços de alma: emoções e gênero nos discursos da resistência. Revista Estudos Feministas,  Florianópolis ,  v. 23, n. 3, p. 975-989,  dez. 2015.

Sessão 1 - Dia 21 de outubro de 2020, 14 horas

A atuação feminina no movimento estudantil da Universidade do Amazonas (1978-1988).

Nilda Priscila Lima Diógenes

O presente trabalho visa rememorar os caminhos de luta construídos pelas mulheres que compunham o movimento estudantil da Universidade do Amazonas durante o processo de redemocratização do país. Busca compreender a atuação do movimento estudantil através do recorte de gênero, tendo como colaboradoras do projeto, mulheres que enquanto estudantes estavam dentro de organizações políticas de esquerda que combatiam a ditadura militar e lutavam pelos direitos das mulheres. A narrativa histórica tradicional esteve atenta em registrar eventos ligados à política ou economia, cujos espaços as mulheres enfrentavam desafios para ocupar. Para além disso, como nos aponta Michelle Perrot, “o ofício do historiador é um ofício de homens que escrevem a história no masculino” razão pela qual a historiadora afirma que escrever História das Mulheres é um desafio. Dentre as muitas perspectivas e caminhos, a chamada história vista de baixo, já se consolidou e tem trazido para os debates historiográficos diversos sujeitos históricos que, por muito tempo, tiveram suas histórias ocultadas. Através do recorte de gênero e partindo de depoimentos e da metodologia da História Oral, juntamente com dossiês do Serviço Nacional de Informação, a pesquisa realiza reflexões sobre o tema em questão. 

Palavras-chave: Mulheres; Movimento estudantil; Ditadura.

“Foi a primeira vez na minha vida que vi cerejas”: O exílio na Argélia a partir da memória de duas militantes.

Débora Strieder Kreuz

O presente trabalho objetiva compreender a forma com que as memórias do exílio de duas mulheres, que em algum momento passaram pela Argélia, são estruturadas: Yara Gouvêa, com a obra Duas Vozes (2007) e Maria do Carmo Brito, na sua obra biográfica Uma tempestade como sua memória: a história de Lia, Maria do Carmo Brito (2003). A partir do golpe de 1964 e com a instauração da ditadura, o exílio foi uma das estratégias utilizadas para excluir politicamente milhares de brasileiros considerados perigosos à segurança nacional. Entre os destinos de exílio está a Argélia, país do norte do continente africano e que havia se tornado independente da França em 1962 após uma violenta guerra de libertação. A partir dos conceitos de exílio, gênero e memória buscarei compreender como é rememorado o período em que duas mulheres estiveram no país. Ambas tiveram suas vidas marcadas pela militância contra a ditadura e o exílio, no qual também continuou sendo um espaço de denúncia do que ocorria no Brasil. Inicialmente é importante salientar que dois elementos permeiam as narrativas: o estranhamento, ao viver em um país social e culturalmente tão diferente do Brasil, referência das duas exiladas até então, e a gratidão, pois o sentimento de segurança pessoal, que não ocorria em outros países, tendo em vista a presença de órgãos de vigilância da ditadura brasileira. Assim, busco compreender como a experiência exilar na Argélia é articulada, de maneira a investigar os efeitos de tal fenômeno na própria ditadura brasileira e na forma como o mesmo é situado na sua narrativa pessoal.

Palavras-chave: Exílio; Argélia; memória.

Experiências Políticas e Narrativas feministas na Abertura Política Brasileira (1979-1985)

Kíria Samanta da Silva; Jéssica Moura Barbosa da Silva

Apoiado na necessidade de estudo sobre as mulheres e dos grupos com lideranças femininas atuantes na luta contra o governo ditatorial brasileiro, o projeto “Experiências Políticas e Narrativas Feministas na Abertura Política Brasileira (1979-1985)” objetiva compreender a experiência do Núcleo de Estudos, Documentação e Informação da Mulher (NEDIM) atuante no estado do Ceará durante a ditadura civil-militar do Brasil. O núcleo foi liderado por mulheres a fim de reunir, produzir e debater sobre o ser mulher e a sua participação no âmbito social, cultural, político e econômico. A partir de entrevistas com as lideranças do grupo, acesso à acervos pessoais das integrantes somados às fontes jornalísticas do Fundo SNI, temos base para explorar a participação do NEDIM em contraste a outros núcleos do Estado do Ceará e do Brasil, e perceber a articulação dele e dos demais grupos femininos no que concerne às resistências ao regime e na luta pelos direitos da mulher. Além disso, o presente projeto objetiva, também, perceber como esse grupo contribuiu para os estudos sobre a mulher em um período de grande efervescência política e repressão, significando dessa forma, a tenacidade feminina em relação a sua identidade e como foram indispensáveis na redemocratização do Brasil, mas que têm sua contribuição negligenciada por uma narrativa histórica marcadamente masculina.
 

Palavras-chave: Feminismo; Gênero; Ditadura; Experiências.

Mulheres, mães e militantes: relações de gênero e emoções nas experiências de militância e maternidade de mulheres durante a ditadura militar brasileira.

Athaysi Colaço Gomes

Este trabalho analisa as relações entre maternidade e militância de mulheres integrantes de coletivos/organizações de esquerda durante a ditadura militar brasileira. Através da metodologia da história oral, pretendo compreender de que maneira as construções de maternidade, subjetividade e militância estão conectadas às relações de gênero e contribuem para a elaboração das memória/narrativas/depoimentos dessas mulheres.
A historiografia brasileira considerada clássica sobre a ditadura militar ainda consiste em homens pesquisadores que se voltam para estudar homens militantes. Apesar  de uma mudança ser notada, nos últimos anos, a partir do trabalho de pesquisadoras das relações de gênero e da história das mulheres, ainda há muito o que se abordar sobre a experiência de mulheres na política de resistência ao autoritarismo estatal. A experiência de maternidade de mulheres militantes é um desses temas cujo debate pretendo iniciar com esse trabalho devido a falta de prerrogativas na história. A maternidade e a militância política são práticas discursivamente elaboradas para requererem dedicação integral das mulheres, portanto tidas como incompatíveis pelas organizações clandestinas de resistência à ditadura. Na outra ponta, os militares e agentes da repressão utilizaram esses discursos do mito do amor materno incondicional para usá-lo enquanto técnica de tortura aplicada às mulheres por meio das ameaças de tortura, de morte e de aborto ou pela real aplicação dessas ameaças diante das militantes. Diante disso, compreendo que as experiências de maternidade de mulheres militantes são permeadas por emoções, agenciamentos e resistências, portanto fundamentais na construção de uma historiografia feminista sobre mulheres na política nacional.

Palavras-chave: Maternidade, Memória, Gênero.

Esperança: substantivo feminino na luta contra as ditaduras do Cone Sul.

Cristina Scheibe Wolff

A esperança foi chave no engajamento político de jovens nos anos 1960,70 e 80 nos países do Cone Sul, que viviam ditaduras militares baseadas na doutrina de segurança nacional. Ela estava em todos os discursos e símbolos das organizações de esquerda que visavam a revolução socialista e a resistência à ditadura, mas também nos movimentos sociais de camponeses, operários, indígenas, negros. O feminismo parte da esperança de que é possível uma sociedade em que mulheres e homens tenham direitos iguais. Nesta comunicação falamos sobre como a esperança se relacionava com as questões de gênero em três dimensões: a sua importância para o engajamento na luta contra a ditadura e pela revolução; a conexão entre esperança e maternidade naquele contexto e a esperança feminista. A esperança sempre foi equilibrista, sempre numa corda bamba, sustentando-se apesar dos percalços, das mortes, das torturas, das perdas, entre o passado, o presente e o futuro. 

Palavras-chave: Esperança; gênero; emoções; feminismos; ditaduras.

“As pessoas não podem resistir sozinhas”: memórias, amizade e gênero na resistência à ditadura militar (1964-1985) 

Alina Nunes; Lara Lucena Zacchi

As emoções deixaram impressões nas memórias de mulheres que viveram as ditaduras no Cone Sul. Tanto a repressão quanto a luta contra a ditadura sensibilizaram diferentes afetos no tempo presente. Esses afetos são atribuídos às emoções difíceis de serem suportadas, como a solidão e o isolamento, mas também referem-se aos amores, às amizades. Nosso trabalho busca perceber como a amizade e os laços estabelecidos entre mulheres foram retomados por suas memórias como uma peça chave para a resistência à ditadura militar no Brasil. Para tanto, utilizamos os aportes teórico-metodológicos da história oral e da história do tempo presente, problematizando os usos da memória no campo da história das mulheres.  As fontes utilizadas referem-se a entrevistas realizadas pela equipe de pesquisadoras do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH/UFSC) entre os anos 2004 e 2019. Essas entrevistas foram realizadas com mulheres que vivenciaram a experiência da ditadura militar brasileira em suas diferentes formas, retomando fragmentos da resistência e da repressão, por exemplo. Ao analisar as memórias, percebemos que a repressão da ditadura foi sentida por essas mulheres também a partir do rompimento de seus laços afetivos a partir da imposição do isolamento e do exílio, por exemplo. Dessa forma, os vínculos estabelecidos entre mulheres neste período foram mobilizados por elas como resistências, seja através dos grupos de reflexão e de consciência, das redes de apoio na clandestinidade e no exílio, ou, ainda, a partir da amizade estabelecida entre mulheres no cárcere político. 

Palavras-chave: Emoções; gênero; ditadura militar; memória de mulheres; amizade.

#emmemóriadelas: contornos discursivos de “narrativas de morte” de mulheres na ditadura pós-1964. 

Pollyanna Júnia Fernandes Maia Reis; Ana Carolina Gonçalves Reis

No contexto de votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, o então deputado Jair Bolsonaro, ao expressar publicamente seu voto, proferiu uma menção à figura de Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador não só de Dilma, como também de outras mulheres engajadas politicamente contra o regime ditatorial nos anos pós-1964. Como uma proposta de repúdio coletivo à fala de Bolsonaro, a página “As Mina da História”, da rede social Facebook, criou uma campanha denominada “Em memória delas”.  O objetivo foi incitar as mulheres a trocarem suas fotos de perfil da referida rede por fotos de mulheres toturadas e/ou mortas e/ou desaparecidas na ditatura. A página disponibilizou 13 fotos, todas elas seguidas de uma breve narrativa sobre as histórias dessas mulheres.Tendo isso em vista, o presente trabalho propõe analisar discursivamente as narrativas de vida (ou melhor, as “narrativas de morte”) das 13 mulheres elencadas pela campanha. Especificamente, interessou-nos o percurso biográfico traçado para registrar a história e, sobretudo, as barbáries cometidas contra militantes femininas na ditadura. Para respaldar teoricamente nossas discussões, lançamos mão de Reis (2018) e de Machado (2009, 2016, 2017, 2018), em suas abordagens sobre narrativas de vida – a fim de pensarmos no que chamamos de “narrativas de morte” –; de Charaudeau (2009), no que se refere à visada de captação – incitação – discursiva; assim como de Dahlet (2017a, 2017b) e de Guadanini (2013), no que tange à designação discursiva. Como método de análise, valemo-nos da Análise do Discurso de linha francesa (ADF), que toma os discursos como construções sociais de/para sujeitos inscritas em determinadas condições de produção. A ADF propõe a investigação da materialidade linguageira sob um viés socio-histórico e ideológico; nesse sentido, para a ADF, os discursos não seriam portadores de significados a priori, mas, sim, de potenciais efeitos de sentido, constituindo lugares onde realidades e identidades tomam corpo (ORLANDI, 1999). A partir da análise empreendida, foi possível evidenciarmos que as narrativas em questão, ao evocar determinadas designações para se referir às mulheres elencadas, constroem-nas como opositoras instruídas, trabalhadoras e ativistas, exaltando atributos de uma militância combativa contra o regime em vigor. Constatamos, também, que as práticas cruéis e desumanas cometidas contra essas mulheres comumente relacionam crimes de violência sexual praticados por torturadores homens, o que aponta para uma hostilidade particularmente demarcada em relação ao gênero no período em questão. Por fim, averiguamos que a campanha #emmemóriadelas busca a adesão por meio da mobilização dos afetos: os contornos narrativos ensejam suscitar emoções socialmente partilhadas,  em consonância com valores que se desejam enaltecer.

Palavras-chave: Narrativas de vida; Análise do Discurso; Mulheres; Ditadura.

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